Angela Catharina - Lembranças Artesanais: Heranças

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Heranças

Hoje minha avó faria 97 anos.
Nos deixou aos 95, completamente (às vezes irritantemente, rs) lúcida.
Braba como ela só, gostava de tudo do seu jeito e de todos ao seu redor. "Moderninha", falava sobre todo e qualquer assunto, ria dos palavrões dos netos, tomava sua cervejinha (sem álcool, às vezes com... safada!) toda feliz nos finais de semana e fazia uma lasagna de fazer inveja aos deuses...
Essa deve ser a descrição de muitas avós pelo mundo. Mas, para mim, ela foi única: "Dona" Yolanda, a italianona de quadris largos, braços cheinhos, mãos de fada.  Quando nasci, ela já era bem senhora, aos seus 65. Tive a sorte de conviver com ela a maior parte de minha vida, já que morávamos no mesmo prédio há muitos anos.
Vovó viveu praticamente todo o século 20, o que fazia dela uma grande contadora de histórias. Dona de casa, passava o dia assistindo TV e aprendendo coisas. Aos 90, comprou um notebook, porque queria ver as receitas da Ana Maria Braga na Internet.
Seu acervo de receitas de comida e artesanato dariam muitos livros - mas resultaram em um sem número de caderninhos - que no fim ela jamais consultava porque tinha uma memória invejável (ou porque jamais daria conta de localizar as anotações que tinha feito, no meio de tanto caderno, rs)...
Foi dela que eu e mamãe herdamos o amor pelo artesanato. Cresci no meio fuxicos, tricôs e crochês, a casa cheirando a tinta à óleo, revistas antigas de artesanato compradas BEM antes da invenção da Internet.  Quando pequena, só porque ela me proibia,  adorava enfiar a mão embaixo da mesa da maquina de costurar, onde ela escondia os alfinetes... Aquilo para mim era um mundo fascinante - linhas que viravam blusas, tecidos que viravam bonecas, almofadas, sachezinhos perfumados... Tudo começava tão simples e se tornava tão complexo!
Herdamos dela um conhecimento imenso, memórias deliciosas e um verdadeiro "armarinho" com direito a tecidos e rendas que já não se fabrica mais. Relíquias de família, rs...
Ela não chegou a me ver artesã. Mas sei que me olha e me acompanha todos os dias, dando seus pitacos...
Algum tempo antes de falecer, ela disse para a mamãe "é tanto talento que um dia você não vai dar conta de tanta encomenda!". Onde estiver, ela deve estar orgulhosa.


Tatyana Pinotti é engenheira civil de formação, artesã de coração e aromaterapeuta por vocação. E teve a melhor avó que poderia pedir a Deus.

7 comentários:

  1. Me emocionei...o texto é tão envolvente que traz de volta minha avó!
    E D.Iolanda tinha razão: com tanto talento, não sei como sobra tempo!

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    1. Que delicia ter te trazido boas lembranças, Fatika... Obrigada por compartilhar do nosso momento :)
      Saudades, viu?
      Beijos,
      Taty

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  2. Me emocionei...o texto é tão envolvente que traz de volta minha avó!
    E D.Iolanda tinha razão: com tanto talento, não sei como sobra tempo!

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  3. Lendo este texto vc consegue viajar até lá e sentir o cheiro das tintas e imaginar os fios virando blusas.....e o cheiro da comida então! Lindo, emocionante a ponto de se ter a impressão de ter conhecido esta italia/nonna guerreira. Parabéns Angela por ter tido uma mãe assim e esta filha que poderia se transformar em uma escritora de contos. Simplesmente maravilhoso. Bjs

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    1. Ah, Dr. Sérgio, és mais que especial! Quis eu mesma lhe responder para lhe dizer quão imensa é a minha gratidão (sei que me entenderá). Amamos receber sua visita, venha sempre! Obrigada pelo carinho!
      Um forte abraço, Taty

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  4. Lindo!!!! Que emocionante homenagem! Parabéns pelo texto e pelo trabalho realizado por vocês . Grande beijo.

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    1. Oi querida!! :) Obrigada pela visita! Foi feito realmente com todo amor! Muitos beijos!

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